A ciência desvenda, cada vez mais, o que causa as doenças, e isto trás o que pode haver de mais avançado na medicina, que é a capacidade de evitar que as doenças aconteçam. A isto chamamos de medicina preventiva, que possui toda sua metodologia particular. E uma dessas particularidade é perceber que estar mais saudável não significa apenas evitar doenças, surgindo a ideia de promoção de saúde.
Na neurologia isto significa o fortalecimento de nosso cérebro e capacidades cognitivas, e do sistema nervoso periférico, com sua função de força e sensibilidade. Promovendo uma defesa natural, além da prevenção propriamente dita, contra as doenças que acometem o sistema nervoso, e potencializando a própria vida.
Investir na própria saúde neste sentido, se relaciona a acreditar que é melhor investir em uma vida de qualidade, que possa afastar os adoecimentos ao máximo, do que esperar adoecer para procurar o que há de melhor que a ciência possa oferecer.
Acidente Vascular Encefálico
O Acidente Vascular Encefálico, AVE, ou ainda popularmente conhecido como AVC, é uma das maiores causas de morte (ao lado do infarto agudo do miocárdio), estando ainda como uma das maiores causas de invalidez, que pode desde incapacitar a pessoa para o trabalho até deixá-la numa capaz incapaz de realizas atividades básicas de vida diária, como comer e realizar a higiene pessoal.
O AVC é quase sempre uma doença que pode ser prevenida. Isto por que sabemos hoje quais as causas da maior parte dos AVCs, e temos ferramentas para evitar que eles aconteçam.
Vários fatores, desde fatores ambientais, como a poluição do ar, a fatores genéticos ou doenças específicas, como a enxaqueca; além dos clássicos tabagismo, obesidade, hipertensão, diabetes, dislipidemia… Podem ser identificados prontamente, seja pelo neurologista ou médico da família, e iniciado tratamento para mudar o curso da história desta doença antes que o pior aconteça.
Existe várias situações que são particulares, como pre disposição genética a tromboembolismo, grau de doença ateromatosa, presença de comorbidades cardíacas, particularidades como a presença de síndrome de apneia do sono, além de questões de hábitos de vida ou nutricionais.
Por fim no âmbito da promoção de saúde, além da construção de significado de saúde em boa alimentação, de se evitar abuso de substância e de intervenções para reduzir carga de estresse, há a melhora da reserva cerebral, como a prática de atividades que aumentem o repertório motor, cognitivo e sensorial, que podem, além de enriquecer o dia-a-dia, fortalecer nossa resiliência contra os AVCs.
Alzheimer, Parkinson e Outras Doenças Neurodegenerativas
Envelhecer é preciso, mas adoecer não. A única formas de não sofremos com o avanço do tempo seria se o tempo não avançasse. Mas precisamos romper com aquela imagem preconceituosa do idoso como alguém débil. E graças aos avanços da medicina preventiva, e da promoção da saúde, podemos ver cada vez mais exemplos de pessoas que superam os oitenta anos com muito vigor, saúde e bem estar mental.
Claro que fatores genéticos individuais podem predispor a um envelhecimento mais acelerado, que geralmente acomete mais, ou menos, cada sistema de nosso organismo (como pessoas que ficam calvas ou de cabelos brancos ainda na juventude). No nosso sistema nervoso existem várias transformações que acontecem naturalmente, mas há outras que, de forma particular, podem nos provocar deficiências sérias e progressivas, que nos acometem como doenças mesmo. Estão são ditas neurodegenerativas, pois fazem degenerar nosso sistema nervoso. Alzheimer e Parkinson são os exemplos mais famosos, mas há inúmeras outras, como degeneração corticobasal, associada aos corpúsculos de Lewy e até mesmo o tremo essencial.
Hoje sabemos que além da genética, vários fatores contribuem para o desenvolvimento ou agravamento destas doenças. E para cada uma delas há estudos específicos, sobre padrão nutricional, qualidade do sono, uso de substâncias como cafeína, atividades físicas aeróbias ou musculação, tabagismo, etilismo, etc, para que se possamos cuidar no presente, de ter uma boa saúde que garanta também a boa saúde do futuro.
A avaliação por neurologista poderá contribuir significativamente para se entender quais são estes ricos e o que há de melhor a fazer, ou mesmo tratamentos médicos que possam ser instituídos, para evitar ou retardar o surgimento/avanço de tais doenças.
Capacidade e Reserva Cognitiva
A reserva cognitiva é, em termos simples, termos uma sobrinha de capacidade cognitiva, para conseguirmos uma boa resiliência às doenças que possam nos surgir com a idade, conseguindo retardar seus sintomas mais graves. Por exemplo, pessoas com boa reserva cognitiva tendem a desenvolver Alzheimer, ou ao menos seus sintomas mais graves, anos mais tarde.
Talvez até a pessoa mais inteligente do mundo queira se tornar mais inteligente. Não existe limite para a nossa capacidade cognitiva, principalmente na atual sociedade, na qual manipular informações é uma das principais forma de trabalho. Mas não existe a pílula da inteligência, por outro lado não se pode negar os avanços feitos pela ciência no entendimento do que pode potencializar nossa capacidade cognitiva.
Sentir que está em pleno uso das habilidades cognitivas é com certeza muito importante para nosso bem estar. E para longe de um antigo paradigma de que usamos 10% de nosso cérebro, a melhora da capacidade cognitiva não é um mito. E por não ser um mito não pode ser contado como um.
O que chamamos de capacidade cognitiva trata-se na verdade de inúmeras capacidades distintas, que podem ser mais ou menos desenvolvidas em cada um. E que podem ser mais ou menos exigidas no dia a dia de cada um. E, mesmo se tratando de uma mesma capacidade, como memória, ou atenção, há ainda várias medidas diferentes que podem ser tomadas a depender da situação de cada pessoa.
Tais medidas geralmente englobam avaliação de questões hormonais, nutricionais, de sono, saúde mental e mesmo fatores genéticos e epigenéticos determinantes. E, otimizar as capacidades cognitivas nos ajuda a construir o que chamamos de reserva cognitiva.
Capacidade de Reserva Motora
A neurologia é a especialidade médica que cuida, de forma clínica, do sistema nervoso. Em especial dos nervos.
Os nervos funcionam em conjunto com o cérebro e os músculos, de forma que realizam o que chamamos de movimento, que possui força, precisão e velocidades sob medida.
Envelhecendo, a partir de certa idade, com muita frequência nos deixará mais lentos, fracos ou com dificuldade de realizar tarefas que necessitem de habilidade fina. Isto pode acontecer por degenerações associadas a doenças específicas, como Parkinson ou tremor essencial, ou mesmo a atrofia generalizada, neurológica e muscular associada ao envelhecimento.
Contudo há sabidamente medidas que podem auxiliar na preservação do nosso sistema nervoso e musculoesquelético, para que possamos não somente atingir idades avançadas com boa capacidade física, quanto prevenir doenças neurodegenerativas.
Questões hormonais, nutricionais, rotinas de atividades física, abuso de substâncias ou uso de algumas medicações podem ser determinantes da potencialização de nossa capacidade motora, construindo ainda o que pode ser entendido como uma reserva motora.
Com uma reserva motora, pode-se enfrentar o tempo e eventuais doenças que ele traga, mantendo ao máximo a capacidade de se movimentar garantindo um envelhecimento saudável.
Epilepsia
A epilepsia é uma doença cerebral que predispõe a crises epilépticas (que podem ser desde convulsões generalizadas a curtas crises de ausência).
Mas ter epilepsia, significa mais que isso, pois além do dano cerebral ocorrido em cada crise, há danos associados a atividades epiléptica cerebral sem sintomas, ou mesmo associados a uso de medicações.
Com frequência também, portadores de epilepsia possuem outros transtornos neurológicos associados a síndromes genéticas ou lesões cerebrais.
Assim, um portador de epilepsia necessita de uma atenção especial no acompanhamento de sua doença, para manter o máximo controle da atividade elétrica cerebral, com o máximo cuidado na seleção e manejo dos efeitos adversos da medicações que faz uso. Para que possa seguir com a vida com prazer e tranquilidade, preservando boa saúde ao chegar em idades mais avançadas.
Doenças Genéticas
Dentre as coisas mais avançadas que a medicina possui hoje, uma delas é o conhecimento da genética, que avança de forma absurda a cada ano, trazendo mais informações e perspectivas de tratamento a muitas doenças.
Tratamentos estes que muitas vezes são realizados antes dos surgimento ou agravamento dos sintomas.
O conhecimento genético se inicia com saber de como é sua família biológica, que doenças desenvolvem, com que intensidade e frequência, relacionando a outros fatores de risco que possam estar expostos. E pode avançar, em alguns casos, a testes genéticos que podem ser de rastreio ou diagnóstico de uma doença específica, a testes gerais que conseguem prever o risco de doenças a partir dos bancos de dados dos laboratórios.
Algumas destas doenças, como a doença de Huntington, ou formas familiais de Alzheimer. O diagnóstico pode não somente armar de medidas para tentar retardar ao máximo o avanço da doença nos portadores das mutações, como auxiliar as famílias a ter consciência dos reais riscos de transmissão da doença para eventuais filhos que decidam ter.
Ter o conhecimento da doença genética, pode ainda, em alguns casos, como na Síndrome de Down, perceber que além de questões cognitivas, podem haver limitações orgânicas em outros órgãos, como o coração.
Caso seja recorrente algum transtorno neurológico em sua família, a avaliação com um neurologista poderá ajudar a compreender o risco que você, e seus eventuais filhos podem estar correndo, e que medidas são sabidamente possíveis de serem tomadas para minimizar estes riscos.
Textos por Hugo Salomão
Fontes/Leitura Recomendada:
- Feigin, Valery L., et al. “Pragmatic solutions to reduce the global burden of stroke: a World Stroke Organization–Lancet Neurology Commission.” The Lancet Neurology 22.12 (2023): 1160-1206.
- Feigin, Valery L., et al. “The global burden of neurological disorders: translating evidence into policy.” The Lancet Neurology 19.3 (2020): 255-265.
- Sabayan, Behnam, Richard Isaacson, and Natalia Rost. “Opinion & special article: preventive neurology: an emerging field toward brain health.” Neurology 97.19 (2021): 916-919
- Goldman, Jill S. “Predictive genetic counseling for neurodegenerative diseases: past, present, and future.” Cold Spring Harbor Perspectives in Medicine 10.7 (2020): a036525.