Saúde Mental

Mente e Cérebro são uma dupla inseparável. Neurologia e Psiquiatria por muitas décadas se encontram na estrada dos tratamentos de tais transtornos, estando cada vez mais próximas uma da outra. Cada uma dessas especialidade trás sua experiência e forma de perceber as doenças, sendo cada uma delas mais indicada para um caso ou outro, ou melhor, trabalhando juntas sempre que possível.

Cada vez mais se conhece as modificações cerebrais nas pessoas que sofrem de transtorno mentais, como na depressão e ansiedade, ao mesmo tempo que cada vez mais se conhece os transtorno mentais nos paciente que tem outras doenças cerebrais, como o Parkinson e o Alzheimer.

Há ainda, uma estrutura sócio-ambiental que nos é adoecedora em muitos aspectos. Vivemos assim, atualmente, uma pandemia de transtornos mentais, em especial para a depressão e a ansiedade. Tal situação crítica e desafiadora, põe em toda a sociedade um alerta, de que precisamos prevenir e tratar prontamente tais transtornos, que podem parecer inofensivos quando comparados a doenças que afligem nosso corpo mais diretamente, como cânceres ou infecções.

Mas que na verdade são estas as doenças que afetam algo mais profundo, que é a nossa própria condição existencial. Do que nos impulsiona a levantar da cama todas as manhãs, e do que nos faz voltar para o sono ao fim do dia, em harmonia com o universo à nossa volta.

Os transtornos mentais, que em cada pessoa se apresenta de forma única, são quase sempre resultado de um conjunto de fatores, genéticos, culturais e de experiência pessoal, quase sempre conectados a fatores de estresses intensos. Possuem assim diagnóstico e plano terapêutico que deverá ser individualizado a cada paciente. A seguir apresento os grupos de transtornos mentais que mais se aproximam da prática da neurologia.

Depressão

Depressão não é sentir tristeza. A depressão acontece junto a transformações em nosso cérebro, e sentir tristeza sem sempre está relacionado.

Cada pessoa que vivência um episódio depressivo o faz de maneira única, e não dá para determinar o que é a depressão como algo que valha para todas as pessoas. Mas há um conjunto de características comuns em quem passa por estes episódios na vida que nos é útil identificar, para que possamos entender melhor o que está acontecendo no nosso corpo, para desenvolver saídas para a situação.

Geralmente os episódios depressivos giram em torno de uma indisposição, ou perda de prazer nas atividades do dia a dia, que podem por exemplo ter uma sensação de tristeza, vazio ou indignação. E há, quase sempre, uma carga de estresse vivido, que pode ser percebida de forma consciente ou não, e que não cabe a ninguém julgar se seria ou não suficiente para gerar um transtorno pois apenas cada um sente na pele o que vive.

Mas em consequência desta situação, podem surgir prejuízos na alimentação, na prática de atividades físicas, no sono, nas relações sociais, no trabalho, etc. E tais prejuízos se somam e piora ainda mais os sintomas depressivos, como num ciclo vicioso, que pode se agravar cada vez mais. Inclusive tais prejuízos são, com frequência, a causa inicial dos quadro depressivos. Pois alimentos industrializados, sedentarismo, insônia, assédio moral, desemprego, são frequentemente observados como situações desencadeadores de um processo depressivo.

A depressão se relaciona com doenças orgânicas de diversas formas, por exemplo, antes de surgirem sintomas clássicos de Parkinson ou Alzheimer, os pacientes podem viver episódios depressivos relacionados às alterações cerebrais de tais doenças. Por outro lado as pessoas com depressão estão mais sujeitas a desenvolver infecções e síndrome metabólica (hipertensão, diabetes e obesidade).

Diagnosticar a depressão nem sempre é fácil, pois muitas vezes ela pode tomar forma de sintomas paralelos, como insônia, impotência sexual, distúrbios cognitivos. E o tratamento é também complexo, devendo observar a pessoa como um todo para intervir não só na função orgânica com medicações, mas também nas situação associada ao desenvolvimento do transtorno.

Ansiedade

A ansiedade é um nome dado a um problema de muitas faces, cada pessoa que sofre de ansiedade sofre de uma forma. Mas uma coisa eles têm em comum que são alterações em sistema neuroendócrinos que estabilizam as emoções. Tais alterações são produtos de fatores genéticos, culturais e das experiências de cada um, desenhando assim em cada pessoa uma doença única.

Desde traumas pontuais, a passar por estresses prolongados, sem deixar de lado cuidados com alimentação, sono e atividades físicas, são muitos os contextos nos quais podemos desenvolver crises de ansiedade, que podem ser generalizadas e contínuas, acompanhadas de pensamento acelerado por exemplo, a crises pontuais como crises de pânico ou fobias específicas. São vários os diagnósticos possíveis, mas lembrando que mesmo dentro de cada diagnóstico, cada paciente é único.

Ninguém escolhe ter ansiedade ou sair dela. Mas na medida que percebe que seus sintomas ansiosos estão prejudicando sua experiência de vida de forma persistente, procurar ajuda de um profissional da saúde é fundamental. Muitas práticas tem bom potencial terapêutico para transtornos ansiosos, como Ioga, Tai Chi, Meditação, Artes de forma geral. E a psicoterapia pode ter grande papel para superar tal condição.

Há ainda diversas medicações que podem ajudar muito no controle dos sintomas, e que devem ser escolhidas de acordo com o perfil de cada paciente. Junto com as outras terapias e a psicoterapia, é possível melhorar bastante a qualidade de vida de quem sofre destes distúrbios.

Psicose

O que é real? Tudo que vivenciamos com nossos sentidos é uma elaboração do nosso cérebro em cima de informações recebidas por nossos órgãos especializados em sensações: Como olhos, ouvidos, nariz.

Como são elaboração de nosso cérebro que possui limitações, e mesmo nossos órgãos sensitivas possuem também limitações, com frequência erramos ao entender algo como real ou não. Mas contra isso podemos estabelecer várias estratégias, como entender com outras pessoas, dando o máximo de nós de forma coletiva, para podermos concluir se algo é ou não real, o que, em última instância, se desenvolve no tal método científico.

Todos nós estamos sujeitos, em certos momentos da nossa vida, a passar por transtornos dissociativos, que é quando percebemos algo como real, sem que seja algo que possa ser percebido como real por outras pessoas. Estas percepções podem ter significado espiritual especial para alguns, ou provocar muita dor e sofrimento em outros, e podem ser resultado desde de ilusões, a doenças dos órgãos do sentido ou do cérebro.

Em especial algumas características biológicas podem determinam em pessoas frequentes experiências que não correspondem à realidade dos outros, com variável capacidade de duvidar ou insistir no que se vê. Tais experiências podem corresponder a processos psicológicos internos, tendo formas características, ou serem mais aleatórios. Tais situações compõe os complexos quadros de psicose.

A esquizofrenia é o grupo mais famoso nesta questão, que por muito tempo sofre intensa discriminação em nossa sociedade, como se fossem pessoas cujo juízo não possui valor. Mas são pessoas que percebem a realidade de uma outra forma, que muitas vezes podem precisar de nossa ajuda para se equilibrar, mas outras vezes podem nos ensinar muito por conseguirem ver as coisas por outros pontos de vista, muitas vezes inalcançáveis, quando nos prendemos ao senso comum.

As formas clássicas de psicose são de grande especialidade dos psiquiatras, que por séculos investigam e tratam pacientes com estes sintomas. Mas que com relativa frequência se sobrepõe a doenças cerebrais nas quais a presença do neurologista é fundamental, como encefalites, neoplasias, AVCs, lesões por pancadas na cabeça, epilepsia, demências, entre outras.

Transtornos Funcionais

Nós somos animais sociais, e estamos longe de sermos outra coisa. Por mais que algumas pessoas tentem negar, também o farão como todos os outros, de acordo com a forma como nos construímos em sociedade.

Muitas vezes, pressões sociais, que podem ser fruto de empatia e solidariedade, de fatores culturais mais ou menos opressores, podem moldar ou até mesmo dobrar quem somos, e isto pode acontecer de forma muito inconsciente. O que pode ser bom, como quando escolhemos nossa profissão e podemos exerce-la junto a outras pessoas, ou quando um bombeiro arrisca sua vida para salvar alguém. Ou pode ser ruim, podendo inclusive trazer formas de adoecimento.

Um adoecimento de causa psicossocial, não aprece em exames de sangue ou de imagem, dificilmente se enxergar no corpo da pessoa o que está acontecendo, pois a doença não está sendo originada no organismo da pessoa, mas fora dele. Na neurologia costumamos de chamar de Transtornos Funcionais.

As pessoas que possuem um transtorno funcional apresentam um sintoma pelo qual passam em vários médicos sem nunca identificar uma causa no seu organismo para o problema, e com frequência sofrem acusações de estar agindo de má fé em benefício próprio. Muitas vezes esses sintomas são similares a doenças neurológicas, sendo comumente acompanhados por neurologistas.

Este acompanhamento é sempre necessário, pois junto a uma intervenção multiprofissional (psiquiatria, psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e terapias integrativas), poderão amenizar ou mesmo reverter o quadro, ao mesmo tempo que se mantém o melhor possível de uma vigilância que não deixe passar uma doença orgânica que de fato possa estar presente, tendo sido mal diagnosticada ou ainda não ter evoluído o suficiente para ser detectada com nossa tecnologia atual.

Textos por Hugo Salomão

Fontes/Leitura Recomendada:

  • American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
  • Foucalt, Michel. A História da Loucura na Idade Clássica. 2019. São Paulo, Perspectiva.
  • Abdalla, Salma M., and Sandro Galea. “Key considerations for the future of mental health epidemiology.” American Journal of Epidemiology (2024).
  • Hallett, Mark, et al. “Functional neurological disorder: new subtypes and shared mechanisms.” The Lancet Neurology 21.6 (2022): 537-550.