Transtorno Cognitivo

Esquecimentos, desatenção, dificuldade de pensar e realizar tarefas, sensação de cabeça vazia diante de problemas, dificuldades de aprendizado ou de compreender normas sociais, são muitos os sintomas que podem ser chamados de transtorno cognitivos. Para estes há vários estudos que nos permitem estabelecer diagnósticos e tratamentos para melhorar a qualidade de vida do paciente e das pessoas ao seu redor.

Sentir, pensar, fazer, tudo que vivemos de forma consciente passa pela nossa inteligência, ou cognição. E existem vários formas de classificar ou definir domínios que compõe a cognição, estes podem variar conforme escola, ou objeto de estudo nas neurociências, na neurologia clínica geralmente utilizamos a divisão em grupos: Atenção, Memória, Linguagem, Função Perceptomotora/Visuoespacial, Função Executiva, Cognição Social.

Tais domínios cognitivos compõe sistemas com várias funções, que têm cada um áreas cerebrais e neurotransmissores principais, mas que funcionam todos integrados num todo muito maravilhoso e complexo, que talvez nunca que a ciência consiga dominar complemente.

Dadas a complexidade e a diversidade que envolvem o funcionamento orgânico desta nossa incrível ‘máquina’ cerebral, são muitas as possibilidades de situações que podem vir a definir o que chamados de transtornos cognitivos. Um transtorno cognitivo, de forma geral, é quando uma pessoa por algum motivo apresenta sofrimento, ou prejuízos, por consequência de déficit, ou hiperfunção, de uma ou mais capacidade cognitiva, ou, da dificuldade de adaptá-las aos desafios do dia a dia.

Os transtornos cognitivos podem ser adquiridos na vida adulta, como o Comprometimento Cognitivo Leve, Declínio Cognitivo Subjetivo ou Declínio Cognitivo Secundário à condição mental ou orgânica (como COVID). Ou ainda podem ter início na infância, relacionados com processos do desenvolvimento, seja Intelectual, de Fala, Linguagem, Aprendizado, Habilidades específicas como cálculo (Discalculia) ou leitura (Dislexia), ou os famosos Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Transtorno do Espectro Autista (TEA), entre outros.

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Comprometimento Cognitivo Leve e Declínio Cognitivo Subjetivo

Nada pode segurar o tempo, nunca. O envelhecimento é inevitável, mas ele pode tomar formas saudáveis!

Nossa pele envelhece, nossos ossos envelhecem, nosso cérebro também. O envelhecimento do cérebro não significa necessariamente apenas perda de funções, mas sim uma mudança, onde por exemplo pode-se ficar uma pouco mais lento para raciocinar e lembrar das coisas, mas mais rápido para atingir uma resposta sábia a um desafio do dia a dia.

Cada pessoa envelhece de um jeito, conforme sua genética e às coisas da vida, e pode desenvolver, ou deixar de lado, uma ou outra função cognitiva, seguindo com dificuldades, ou não. Cada pessoa pode ter ainda maior ou menor chance de desenvolver uma demência, e isto talvez seja o mais preocupante e que necessita de maior atenção especializada (veja mais na seção Demências – para acessá-la clique em Voltar para Hugo Salomão e depois em Demências).

Quando uma pessoa, da vida adulta em diante, nota que está com dificuldades cognitivas, primeiro necessita descartar causas secundárias, depois, medir estas dificuldades com uma avaliação objetiva, como a avaliação neuropsicológica ou teste neurocognitivo. Esta avaliação chama-se de objetiva pois ela dá números de quão alteradas estão as funções cognitivas. Caso apresente alteação nestes números, chamamos de Comprometimento Cognitivo Leve. E caso esta avaliação venha normal, não podemos ainda dizer que não exista um transtorno, então damos o nome de Declínio Cognitivo Subjetivo.

Após esse diagnóstico, é preciso, com seu neurologista, trabalhar com outras diversas questões individualizadas, de acordo com outros exames e condições clínicas, para melhorar ao máximo o seu desempenho cognitivo e retardar ao máximo o desenvolvimento de uma Demência.

E, enfim, além destas questões de percepção de declínio cognitivo, há nuances sobre a percepção pessoal que seu desempenho cognitivo poderia estar melhor. Nossas capacidades cognitivas são resultado de nossas condições biológicas e de como aplicamos elas no dia-a-dia. Assim, não existe um fórmula única mágica que nos deixe mais inteligentes ou com melhor memória, apesar de haver muita gente vendendo promessas falsas. Mas por outro lado é possível sim, identificar em cada situação, individualmente, condições que podem ser melhoradas, desde questões nutricionais que podem necessitar suplementação a questões mentais mais complexas que podem se beneficiar de medicações ou outras intervenções.

Comprometimento Cognitivo Secundário

Nessa nossa maravilhosa máquina cerebral, nossas funções cognitivas são capacidades muito sensíveis. Você já deve ter experimentado várias situações nas quais não se sentiu com a cabeça funcionando muito bem, como quando está com uma febre alta, ou com muito sono, ou mesmo quando perdemos alguém que amávamos muito.

Assim várias condições podem afetar nosso funcionamento cerebral, tendo potenciais tratamentos reversíveis, como o tratamento de uma infecção ou uma boa noite de sono. Outras podem ter tratamentos mais desafiadores, como a COVID longa, a síndrome da apneia do sono ou um transtorno cognitivo associado a depressão.

Existem ainda doenças ou outras afecções clínicas que podem afetar o funcionamento cerebral, como as variações hormonais do climatério e da menopausa, a doença de pequenos vasos associadas à diabetes ou hipertensão arteiral, ou menos crises recorrentes de enxaqueca.

Por fim há ainda doenças neurológicas próprias como AVCs ou esclerose múltipla, que podem comprometer parcialmente algumas funções cognitivas.

Veja quão vasto é o universo de possibilidades de situações que podem afetar nossas habilidades cognitivas. E cada pessoa é especial, com suas condições que são únicas. Mas não deve deixar de procurar um neurologista ao notar que apresenta um declínio cognitivo, pois por trás dele pode haver um problema simples de resolver, ou uma doença séria que pode ser curada, ou controlada, se tratada precocemente.

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

Nem sempre se falou na medicina de transtorno de atenção. Um sintoma pode ser chamado de Impulsividade ou Coragem? Hiperatividade ou Energia? Se é desatento ou é ‘descolado’? São muitos os valores sociais e culturais que envolvem esta mudança de olhar sobre os transtornos que afetam a atenção e o controle do comportamento. Também, no passado, não se falava muito sobre infecções por germes microscópicos antes do desenvolvimento dos antibióticos. Então sim, muitas coisas mudam na medicina conforme a cultura ou o surgimento de terapias, e muita coisa ainda vai continuar mudando.

O TDAH não é uma (01) doença! Mas sim um transtorno que envolve várias condições diferentes, genéticas e ambientais, no neurodesenvolvimento cerebral. Não existe um exame único que faça o diagnóstico. Este se dá apenas pela avaliação minuciosa de várias condições e preenchimento de critérios diagnósticos específicos, como o DSM V. O que geralmente demanda mais de uma consulta e a muitas vezes requer a contribuição de outros profissionais, como um neuropsicólogo.

Há estudos que sugerem quase um quarto das pessoas pode em algum momento da vida preencher critérios para TDAH, e outros dizem que cerca de metade das informações sobre TDAH na internet são falsas. Por outro lado, não raro pacientes passam por diversos profissionais recebendo uma gama de diagnósticos distintos enquanto pouco se resolve no seu problema, arrastando sofrimento e prejuízos cumulativos na vida.

Existem outros problemas como narcolepsia, apneia do sono, crises de ausência, crises disperceptivas, migrâneas recorrentes, transtornos psiquiátricos ou outras condições neurológicas ou clínicas que podem compor sintomas idênticos ao TDAH, algumas vezes inclusive com tratamento semelhante. Mas também o portador de TDAH está mais sujeito a desenvolver situações como ansiedade, abuso de substâncias entre outros transtornos que podem camuflar seu diagnóstico, e que também necessitam ser tratados.

Enfim, paralela a esta realidade complexa está a realidade de cada paciente, que pode ser de uma pessoa acumulando consideráveis prejuízos e sofrimentos por sua condição cognitiva de déficit de atenção e hiperatividade, e que não consegue tratamento adequado. Pode ser de alguém ansioso que desenvolve alguma frustração diante de dificuldades cognitivas e sofrerá prejuízos financeiros e até cognitivos por uso de medicações inadequadas. Ou, enfim, da pessoa que recebe o diagnóstico e tratamento adequados.

Assim, nos casos infantis, a avaliação com Neuropediatra ou Neuropsiquiatra, que domine o assunto, é a forma mais segura de se estabelecer este diagnóstico. Enquanto que, nos casos de adultos, um Neurologista ou Psiquiatra que se mantenha atualizado é fundamental, para entender se tem ou não TDAH, qual o subtipo e quais são as terapias mais indicadas em cada caso.

Transtorno do Espectro Autista

Transtorno do Espectro Autista, é um diagnóstico médico bastante complexo, pois não se trata de uma doença única, que pode ser diagnosticada com um único exame. Mas sim de um Transtorno, isto é, uma situação na qual a pessoa, com todo respeito à sua característica individual, está passando por sofrimentos ou prejuízos dada sua condição sem intervenção médica e multiprofissional. Espectro, neste caso, significa uma gama de possibilidades, pois há uma grande diversidade no que é chamado de autismo. E Autismo, enfim, é um termo clássico que engloba vários sintomas relacionados ao desenvolvimento de cognição social, função executiva e algumas funções motoras.

Assim como em toda a natureza biológica, há rica diversidade no TEA, cada paciente é único. Muitos tem sintomas moderados a graves, com muitos transtornos já nos primeiros anos de vida ou no decorrer da infância. Estes devem ser prontamente apresentados à neuropediatra ou neuropsiquiatra para diagnóstico precoce pois há muitas terapias que devem ser iniciadas o quanto antes, e de forma individualizada, para garantir o melhor parâmetro de qualidade de vida para o paciente e sua família.

Há ainda formas leves de autismo, que muitas vezes não são simples de diagnosticar, pois podem passar despercebidos por serem mínimos os transtornos apresentados na infância. Mas que diante do desafios da vida adulta podem apontar limitações que antes estavam um tanto latentes. Ou pessoas que na infância, por questões socioeconômicas, não tiverem acesso ao diagnóstico adequado. Nestes casos a avaliação por neurologista ou psiquiatria, muitas vezes ambos, é fundamental para estabelecer o diagnóstico mais exato e garantir o melhor acompanhamento.

Outros Transtornos Cognitivos Associados ao Desenvolvimento

Não por serem mais especiais, mas por terem se agrupado em um diagnóstico que pode reunir um grupo maior de pacientes, o TEA e o TDAH avançam em divulgação social, estudos científicos, tratamentos, políticas públicas que envolvem direitos. Mas e os portadores de dislexia, discalculia, alterações de fala ou linguagem, déficit intelectual ou de aprendizagem, e ainda aqueles que a ciência desconhece termos adequados para estudá-los?

Existem muitas formas de limitações cognitivas que não são TDAH, nem TEA, que podem definir limitações graves com sofrimentos e prejuízos consideráveis. No CID11 vêm agrupadas como Transtorno do Desenvolvimento Intelectual, da Fala e da Linguagem, do Aprendizado, entre outras síndromes categorizadas à parte.

Temos bilhões de neurônios, incontáveis sinapses, e infinitas possibilidades de transtornos cognitivos. Ou, se quisermos ir mais longe, todos nós temos ainda um cérebro único, com limitações e potenciais que também são únicos, e que de acordo com as circunstâncias podemos ou não ter um transtorno relacionado. Por exemplo, na vida de uma comunidade indígena a capacidade de realizar cálculos matemáticos complexos podem ser menos importante que a capacidade de se conectar subjetivamente com a floresta (será que também não deveria ser assim no nosso dia a dia?).

Assim, o diagnóstico de transtornos cognitivos que apontam na infância, será feito por neuropediatra. Enquanto que os que apontam na vida adulta com neurologista. A participação de outros profissionais é crucial, e devem ser direcionados a cada caso, como psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e pedagogo. Assim, é preciso quase sempre fazer uma avaliação cognitiva ampla e detalhada, com suporte multiprofissional, para medir qual é cada dificuldade de cada paciente, direcionando o tratamento e as adaptações necessárias.

Textos por Hugo Salomão

Fontes/Leitura Recomendada:

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